Por Kate Morrissey para Capital & Main – Daily Kos
Um avião da Guarda Costeira dos Estados Unidos pousou no Alasca, em junho, transportando dezenas de pessoas sob custódia do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE). Segundo relatos, muitos dos homens viajaram algemados na área de carga, sem acesso a banheiros e sequer a assentos. Eles haviam sido transferidos do Centro de Processamento do ICE em Tacoma, Washington, para o Complexo Correcional de Anchorage (ACC), administrado pelo Departamento de Correções do Alasca. “Naquele momento, me senti desumanizado”, disse um dos detidos, que manteve um diário da experiência. Ele, assim como outros, falou ao portal Capital & Main sob anonimato por medo de retaliações.
De acordo com relatório da organização Human Rights First, os voos de transferência da ICE aumentaram 43% entre janeiro e agosto, em comparação com o mesmo período do ano anterior. O documento alerta que essas mudanças constantes desorientam os detidos e dificultam tanto o contato com familiares quanto o acesso a representação legal. O ICE e o Departamento de Correções do Alasca não responderam aos pedidos de comentário. Já o GEO Group, empresa privada responsável pelo centro de Tacoma, direcionou as perguntas à agência federal.
Um dos transferidos, Luis Peralta, relatou que foi impedido de levar documentos pessoais de Miami para Tacoma, o que o deixou sem acesso a contatos da família e ao advogado contratado por seus parentes. “Espero que não nos transfiram de novo. É a pior experiência pela qual alguém pode passar”, disse. Outro imigrante afirmou ter sido transferido logo após um juiz aprovar sua liberação sob fiança em Miami. Em Tacoma, entretanto, o pedido foi negado. “Parece uma estratégia para nos manter detidos”, declarou. Durante os voos, os detidos só receberam pão, queijo e água. Todos estavam algemados nos pulsos, tornozelos e cintura. “Se algo acontece no ar, não há nada que possamos fazer. É aterrorizante”, contou Peralta.
Quando oficiais anunciaram a transferência de um grupo em Tacoma para o Alasca, alguns inicialmente se recusaram a embarcar. Segundo testemunhas, agentes ameaçaram abrir acusações criminais e chegaram ao local com equipamento antimotim. Alguns detidos chegaram a usar lençóis para tentar impedir a entrada dos guardas. Já no ACC, os relatos indicam condições piores do que as do centro de Tacoma. Muitos ficaram sem acesso a telefonemas por dias, em descumprimento das normas do ICE. Ao solicitar seus pertences para recuperar números de telefone, um homem viu guardas retornarem com reforço e lançarem spray de pimenta dentro da unidade. “Você não consegue respirar por dois dias. É desesperador”, contou um dos afetados.
Os imigrantes também afirmaram ter sido mantidos em celas superlotadas, com pessoas dormindo no chão, sem direito a tempo diário no pátio, outra violação dos padrões estabelecidos pelo ICE. A American Civil Liberties Union (ACLU) do Alasca enviou carta ao ICE e ao Departamento de Correções denunciando o “uso excessivo de força” com spray de pimenta. O documento ressaltou que a decisão foi tomada sem consulta médica, embora um dos detidos tivesse diagnóstico de doença pulmonar obstrutiva crônica, o que poderia ter sido fatal. Na carta, a ACLU destacou ainda que já havia processado o ACC por más condições de encarceramento na esfera estadual antes mesmo de a unidade receber detidos da imigração. A entidade lembrou que o centro não consegue garantir segurança nem para presos criminais e que, no caso de imigrantes, a proteção deveria ser maior, já que se trata de detenção civil, não punitiva. “O ACC não tem capacidade de manter ninguém sob custódia por mais de 72 horas dentro dos padrões federais”, escreveu a organização.
Alguns dos imigrantes chegaram a ser deportados enquanto estavam no Alasca, mas outros foram devolvidos a Tacoma após algumas semanas. Com o aumento das transferências, porém, ninguém sabe até quando permanecerá em cada local. “Não somos animais. Animais são tratados melhor do que nós aqui dentro”, afirmou Peralta.
Foto: AP
Fonte: Daily Kos